Numa altura em que tanto se fala de praxes decidi partilhar
memórias que tenho da minha.
O primeiro contacto que tive foi no dia 11 de Outubro de
2000. Como é que sei? Sei porque nesse dia ainda tinha 17 anos e no seguinte
completava os 18.
Fui com o meu papi tratar da inscrição no Curso de Gestão de
Empresas na Universidade Portucalense Infante D. Henrique. Estava na secretaria
quando me abordaram para confirmar a minha situação… caloira! E foram logo
doutores do meu curso!
O meu pai ainda teve pachorra para aguardar no carro
enquanto fui a uma sala “conhecer” alguns doutores e ter conhecimento de
algumas regras que iriam ditar os tempos mais próximos.
Automaticamente tornei-me amiga íntima da mascote do curso:
E até fui batizada pelo nome da mesma: Jurema
Nesse dia cheguei a casa com algum receio, mas também com
curiosidade. Já havia pessoas com quem simpatizava mais e outras que nem por
isso.
Depois disso vieram dias de grande desânimo. Sou do mais
tímido que existe à face da terra, e se ainda o sou hoje, imaginem como era com
18 anos. Tinha vergonha de levantar o olhar, falar para alguém, fazer alguma
pergunta, tudo… Era timidez ao mais alto nível. Isto naturalmente dificultou-me
a vida.
(Breve à parte: Era tão tímida, tão tímida, que na altura,
ainda namorava há pouco tempo com o RP quando estávamos na casa dele um dia à
tarde e ele estava com uma mão sobre a minha sobre a minha perna. A certa
altura comecei a ficar com a perna dormente, devido à posição em que estava,
mas não quis incomodar, tive vergonha de sequer mexer a perna, estica-la ou
qualquer coisa. Resultado? Quando me levantei quase que ficava estatelada no
meio do chão, a minha perna ficou feita plasticina. QUE VERGONHA!!! Disfarcei,
fiz que conta que não se tinha passado nada e quando cheguei a casa já quase
não conseguia caminhar. Dei cabo dos tecidos moles no tornozelo direito!
Ligaduras e muletas e ainda tenho dores hoje com alguns movimentos e mudanças
de tempo. Pronto, só para provar que era mesmo tímida!)
Até que um dia fomos praxados no Jardim de Arca D’Água. E
para dar a devida homenagem à mascote, uma vez que era sua homónima, insistiam
incessantemente comigo para cacarejar. Eu cacarejava baixinho e queriam que eu
cacarejasse alto. Não estava para isso, não sentia o espírito, não sei
explicar… Sei que de castigo me mandaram deitar na relva e pensar na vida. Estava
completamente fora do meu elemento, completamente desconfortável e com vontade
de desistir. Mas houve um doutor (Obrigada Poborsky!) que se aproximou de mim e
teve comigo uma conversa mano a mano. Disse-me que tudo o que faziam era para
nos integrar, que tinha de saber levar a coisa com o espírito da brincadeira,…
Depois daquele discurso todo disse-me para me levantar e ir
a cacarejar até ao outro lado do jardim e voltar. Assim fiz, só que cacarejava
baixinho. E só ouvia:
“Alto! Mais alto! Mais alto Jurema! Mais alto!”
Estão a ver um filme tipo Rocky, quando ele em combate
começa a relembrar imagens que lhe dão a força para vencer? Foi do género.
Comecei a relembrar e a interiorizar as palavras que o doutor me tinha dito…
respirei bem fundo e fiz um COROCOCÓ que eu acho que se ouviu na Universidade.
E aí aconteceu uma espécie de clique. Toda a gente aplaudiu e deu mais força e
continuei a cacarejar como se não houvesse amanhã.
Nesse dia encheram-me a mim e aos outros o cabelo de coisas
que devem ter variado entre iogurte e alho, passando por molhos e sei lá mais o
quê. Mas querem saber? Tive de entrar em 2 autocarros para voltar para casa e
vinha completamente orgulhosa (só com o devido cuidado para não encostar com a
cabeça em lado nenhum). Tive de lavar o cabelo umas 30 vezes, mas fi-lo de
sorriso no rosto.
Depois disso, houve o dia do pijama, em que todos devíamos
levar um pijama para vestir na universidade. Eu levei não só o pijama, mas
também uma chupeta e um peluche. No dia em que os homens se deviam mascarar de
mulheres e vice-versa, aprumei-me com pompa e circunstância. E tinha tantos outros
exemplos…
Como em tudo, havia os parvos obviamente, mas regra geral
acho que fui muito sortuda. Nunca me senti humilhada e poucas foram as coisas que
não fiz. Quando isso aconteceu, respeitaram-me. Obviamente não dizia que não a
tudo como vi alguns a fazer, mas tinha os meus princípios e limites.
Quando chegou a Queima das Fitas, chegou também a eleição do
Mister e da Miss Caloiro(a). Alguns doutores perguntaram-me quem achava que ia
ser. Disse logo que seria a D. – miúda mais gira, mais jeitosa e mais cheia de
pinta do grupo. Era das tais que dizia que não a tudo, mas para Miss o que
conta é o aspeto exterior; e o Mister seria o I. – miúdo mais porreiro,
divertido e com o D. faziam uma dupla de rir até cair. O Mister Caloiro foi o
que julguei que iria ser. A Miss Caloira acabei por ser eu. Eu? Miss Caloira?
Provavelmente a mais gorda do grupo…
Sim! É verdade! Mais tarde disseram-me que só podia ser eu, porque ninguém tinha
vivido a praxe como eu. Really???
É das coisas que me orgulho! Por todos os obstáculos que
tive de vencer, pela mudança que isso gerou em mim. E a verdade é que a mim me
facilitou o processo de integração.
Também me teria integrado sem a praxe, mas não teria estas
memórias. Felizmente tive muita sorte de não humilhada, não me sentir obrigada
a fazer nada que não quisesse. As mulheres são bem mais cabras, mas é muita
garganta. Lembro-me de me dizerem que quando fosse praxar ia ser lixada. Nunca
praxei.
Acho que praxe faz todo o sentido com regras e onde deve
imperar o bom senso. É como tudo, há pessoas a quem o poder sobe à cabeça e há
pessoas que julgam que podem tratar os outros como formigas ou pior. Não sou a
favor do fim das praxes, provavelmente pela experiência que tive. Acho que se
perdia a tradição e aquilo que significa, um espírito de grupo que se cria. Mas
a humilhação e a colocação em perigo da integridade física e psicológica de um
caloiro não faz sentido nenhum. Se houvesse alguma forma de controlar isso,
seria o ideal, porque abolir as praxes é na minha opinião anular uma parte
importante da vida académica.
O que aconteceu no Meco, para mim foi pura e simplesmente
crime. Tal como sei que acontece noutras universidades e isso sim, devia ser
abolido. As Universidades deviam incrementar o controlo destas situações,
deviam estar mais a atentas e aumentar a abertura para as pessoas que se querem
queixar sem serem retaliadas por isso. Acho também que ninguém devia ser praxado contra a sua vontade, ou ameaçado por não o querer fazer.
Mas é a minha opinião…
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